Reconhecida pela sua diversidade de manifestações e numerosa concentração de influências, as festas do Divino Espírito Santo, em São Luís, fazem parte do calendário oficial de festas, no qual grande parte recebe apoio financeiro estadual. Os donos e donas das festas, festeiros e colaboradores representam o estereótipo maranhense: a mistura de índios, negros e colonizadores brancos, que se expressa ainda na localização geográfica do Estado, onde se misturam filiações nordestinas e amazônicas.
Relativamente aos festejos do Divino
Espírito Santo, o que aparentemente diferencia as festas no Maranhão,
particularmente em São Luís, é a sua ligação aos terreiros de Tambor de Mina, o
modo como misturam o culto ao Divino com o culto a entidades espirituais
afro-brasileiras sincretizadas com santos católicos e os “toques” realizados
para as entidades, durante a festa, diante do altar e da coroa (Santa Crôa).
Outro aspeto relevante é a ligação das
festas às Caixeiras, mulheres, geralmente com mais de 50 anos, que tocam caixa
(tambor) e cantam, sendo responsáveis por conduzir, através de toques ajustados,
todas as etapas dos festejos e responsabilizando-se também por inúmeros outros
toques de conteúdo religioso, geralmente entoados junto ao altar do Divino.
Celebrado pela Igreja Católica no domingo
de Pentecostes, 50 dias após a Páscoa - a Festa do Divino Espírito Santo enfatiza
a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, representado simbolicamente por
uma pomba e por línguas de fogo. Reverenciado como um dos mistérios da Igreja,
o Espírito Santo, apresenta-se também como a Santíssima Trindade, e nesse
sentido, ocupa um lugar de grande destaque nas comemorações dos terreiros de
Mina e na devoção dos seus festeiros.
Em São Luís, respeitar o “mistério da fé”,
ou seja, não questionar e venerar o que é desconhecido, é um dos elementos mais
valorizados pelas religiões afro-brasileiras, onde o conhecimento religioso é
considerado um segredo, difundido oralmente e sabido por poucas pessoas.
Para o professor Ferretti (1999), a partir
das pregações missionárias anteriores e possíveis comparações feitas pelo
catolicismo e por outras religiões, entre a descida do Espírito Santo no dia de
Pentecostes e o transe religioso, presumivelmente os praticantes das religiões
de origem africana, passaram a ver na festa do Divino, uma analogia com a
possessão mediúnica por entidades sobrenaturais, fenômeno essencial nas
religiões de transe ou possessão.
Portanto, ainda que seja considerada uma
Festa de alto custo e muito trabalhosa, praticamente todos os terreiros de mina
de São Luís organizam, uma vez ao ano, uma festa do Divino, e destas, grande
parte realiza em homenagem a uma entidade importante para a casa, ou seja, duas
festas em uma, otimizando os custos da celebração e reforçando a grandiosidade
do festejo.
As
principais etapas da festa são:
- Reuniões
entre os donos da festa e os seus festeiros
Trata-se de reuniões preliminares para organizar:
a distribuição de tarefas; a listagem de encargos e os valores de quota para os
familiares do império; definir datas, horário e cores da festa; decoração da
tribuna; roupas do império e a quantidade de bolos e lembranças.
- Abertura
da Tribuna
É a primeira etapa da festa e resume-se em
evocar o Espírito Santo e batizar a tribuna ao som do
toque das caixas. É a oportunidade da caixeira-régia mostrar a sua habilidade
ao cantar e comandar as colegas de caixa com versos que obedecem uma determinada
ordem. Primeiro deve-se cantar convocando o Espírito Santo, para abençoar e ajudar
os seus festeiros. Posteriormente, canta-se para São Pedro, pois é o senhor que
“guarda a chave” da tribuna. Para Dona Jacy, uma tribuna bem aberta é sinal de uma
festa abençoada, bonita e que traz muita sorte.
Dona Luzia, Caixeira Régia em cerca de 13
festas, gosta de realizar a abertura da tribuna sempre as 12h e todos devem
vestir roupas brancas (império, caixeiras, dona da festa e festeiros).
- Busca e levantamento
do Mastro
O mastro é um dos elementos simbólicos mais
importantes e sagrados do festejo, uma vez que a sua presença assinala que a
casa se encontra em período de festa. Costuma-se preparar a partir de um tronco
de árvore que varia entre 5 a 10 metros, podendo ser pintado ou enfeitado com folhas
e frutos. Durante o trajeto para buscá-lo, foram comuns brincadeiras com
conotações sexuais e solicitações de bebidas alcoólicas.
O levantamento do mastro é realizado no
final do dia e determina a abertura oficial da festa, sendo ele próprio
conhecido como um ritual, uma vez que exige perícia e coordenação de vários
homens para o erguer, além de ser batizado com bebidas e ervas aromáticas. Acompanham
essa etapa: Toques de caixa específicos (Nossa Senhora da Guia); fogo-de-artifício;
bolos ou mingau; café ou bebidas e muita animação. A cerimónia estende-se pela
noite com a Ladainha e cânticos de louvação.
- Visita
dos Impérios
Entre o levantamento do mastro e o dia
principal da festa (Domingo da missa), as caixeiras se reúnem na casa do Dono
da festa e saem em cortejo com parte do império, bandeireiros, festeiros e
convidados, para visitar o casal de imperadores (em alguns casos também os 2
mordomos-régios), para levar o Espírito Santo e proteção para as respetivas
casas. Esta visita pode ser realizada em cada uma das casas ou pode-se reunir duas
crianças no mesmo local para dinamizar e tornar acessível o transporte de todos
os presentes. As crianças que recebem a visita, aguardam o cortejo em suas casas,
juntamente com os seus familiares e convidados. É comum, no final da visita, a
família oferecer um lanche com doces, salgadinhos e refrigerantes e no caso de
duas famílias recebendo a mesma visita, um jantar. As caixeiras improvisam
durante o trajeto, brincam, tocam na porta, cantam e dançam no interior da
casa.
- Missa e
Cerimônia dos Impérios
É a
etapa primordial da festa, que começa por volta das 08h ou 09h com uma missa encomendada
pela dona de festa e só termina depois do toque da Alvorada e jantar do império.
Relativamente ao momento da missa, costuma-se
acompanhar uma missa habitual e somente no final, as caixeiras cantam e tocam
dentro da igreja, para agradecer a bênção do padre e pedir graça e proteção. Em
seguida, a dona da festa organizar uma procissão até a casa do festejo, com músicos
contratados, muitos foguetes e todo o seu império, vestindo o melhor traje. É
um momento de grande beleza, que mostra todo o esmero dos festeiros e da dona
da festa. Nas festas com mais recursos, é frequente servir um chocolate quente
com bolos, frutas e biscoitos na chegada da missa. De qualquer forma, entre o
cortejo e o almoço, as caixeiras tocam diante da tribuna e dificilmente param
para descansar.
Depois do almoço, com a permissão da
Caixeira Régia, império e caixeiras são dispensados para descansar e repousar
antes da procissão com andor. Por volta das 16h, algumas casas realizam esta
procissão nas proximidades da casa, regressando ao pé do Mastro por volta das
18h, para iniciar o toque da Alvorada.
Depois da Alvorada, realiza-se o jantar do
império e na sequência: caixeiras e convidados.
- Roubo do
Império
Muitas casas já deixaram de praticar, mas
em alguns terreiros e casas particulares os festeiros continuam a distribuir
entre os seus vizinhos, parte dos objetos e roupas da festa, para resgatá-los
posteriormente em cortejo.
Com versos improvisados, as caixeiras recebem
do dono da casa não só o objeto roubado, mas também donativos para a festa:
dinheiro, fogo-de-artifício, refrigerantes, vinhos, cachaça, velas e alimentos.
-
Derrubamento do Mastro
É a etapa que marca o final do
festejo e acontece logo após a chegada da procissão, portanto, é comum a
presença de músicos contratados, que participaram da procissão. Porém, quando o
buraco já se encontra bem fundo e o Mastro começa a balançar, inicia-se o mesmo
toque do levantamento (Nossa Senhora da Guia), ao mesmo tempo que os homens da
festa vão descendo o mastro lentamente, com a ajuda de cordas, escadas e troncos
de madeira amarrados como se fosse uma tesoura.
- Repasse
das Posses Reais
É uma das etapas mais demoradas, que
costuma se estende por mais de duas horas e começa com as caixeiras tocando e
se despedindo do Divino. Em seguida, apenas a caixeira-régia canta, acompanhada
pelo toque e coro das caixeiras, retirando as insígnias reais das crianças que
estão deixando seu posto e transferindo para as crianças que ocuparão o cargo
no próximo ano. Este momento é sempre de muita emoção e lágrimas.
-
Fechamento da Tribuna
Encerra a parte solene da festa, cantando o
Bendito de Hortelã, para amontoar as caixas, enrolar e recolher as bandeiras e acomodar
a Santa Crôa e a pomba do Divino no altar. Logo depois, quando as caixas já estão
no chão e a música, que tem cerca de 20 minutos, termina, ocorre o corte do
bolo e a distribuição dos doces e lembranças da festa para todas as pessoas
presentes. (costumam priorizar as caixeiras e os convidados dos império)
- Carimbó
de Caixeiras
É uma etapa que não faz parte das obrigações
religiosas e não consta no “convite” da festa. Acontece naturalmente, durante a
partilha de alimentos que sobraram da festa. Em agradecimento, os festeiros costumam
oferecer bebidas e comidas para as caixeiras e todas as pessoas que ajudaram e
trabalharam durante o período da festa.
Ferretti, Sérgio, 1999. Festa do Divino no Tambor de
Mina: estudo de ritos e símbolos na religião e na cultura popular. Disponível
em:
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