terça-feira, 20 de novembro de 2012

Considerações sobre as Festas do Divino em São Luís

Reconhecida pela sua diversidade de manifestações e numerosa concentração de influências, as festas do Divino Espírito Santo, em São Luís, fazem parte do calendário oficial de festas, no qual grande parte recebe apoio financeiro estadual. Os donos e donas das festas, festeiros e colaboradores representam o estereótipo maranhense: a mistura de índios, negros e colonizadores brancos, que se expressa ainda na localização geográfica do Estado, onde se misturam filiações nordestinas e amazônicas.

Relativamente aos festejos do Divino Espírito Santo, o que aparentemente diferencia as festas no Maranhão, particularmente em São Luís, é a sua ligação aos terreiros de Tambor de Mina, o modo como misturam o culto ao Divino com o culto a entidades espirituais afro-brasileiras sincretizadas com santos católicos e os “toques” realizados para as entidades, durante a festa, diante do altar e da coroa (Santa Crôa).

Outro aspeto relevante é a ligação das festas às Caixeiras, mulheres, geralmente com mais de 50 anos, que tocam caixa (tambor) e cantam, sendo responsáveis por conduzir, através de toques ajustados, todas as etapas dos festejos e responsabilizando-se também por inúmeros outros toques de conteúdo religioso, geralmente entoados junto ao altar do Divino.

Celebrado pela Igreja Católica no domingo de Pentecostes, 50 dias após a Páscoa - a Festa do Divino Espírito Santo enfatiza a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, representado simbolicamente por uma pomba e por línguas de fogo. Reverenciado como um dos mistérios da Igreja, o Espírito Santo, apresenta-se também como a Santíssima Trindade, e nesse sentido, ocupa um lugar de grande destaque nas comemorações dos terreiros de Mina e na devoção dos seus festeiros.

Em São Luís, respeitar o “mistério da fé”, ou seja, não questionar e venerar o que é desconhecido, é um dos elementos mais valorizados pelas religiões afro-brasileiras, onde o conhecimento religioso é considerado um segredo, difundido oralmente e sabido por poucas pessoas.

Para o professor Ferretti (1999), a partir das pregações missionárias anteriores e possíveis comparações feitas pelo catolicismo e por outras religiões, entre a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes e o transe religioso, presumivelmente os praticantes das religiões de origem africana, passaram a ver na festa do Divino, uma analogia com a possessão mediúnica por entidades sobrenaturais, fenômeno essencial nas religiões de transe ou possessão.

Portanto, ainda que seja considerada uma Festa de alto custo e muito trabalhosa, praticamente todos os terreiros de mina de São Luís organizam, uma vez ao ano, uma festa do Divino, e destas, grande parte realiza em homenagem a uma entidade importante para a casa, ou seja, duas festas em uma, otimizando os custos da celebração e reforçando a grandiosidade do festejo.

As principais etapas da festa são:

- Reuniões entre os donos da festa e os seus festeiros

Trata-se de reuniões preliminares para organizar: a distribuição de tarefas; a listagem de encargos e os valores de quota para os familiares do império; definir datas, horário e cores da festa; decoração da tribuna; roupas do império e a quantidade de bolos e lembranças.

- Abertura da Tribuna

É a primeira etapa da festa e resume-se em evocar o Espírito Santo e batizar a tribuna ao som do toque das caixas. É a oportunidade da caixeira-régia mostrar a sua habilidade ao cantar e comandar as colegas de caixa com versos que obedecem uma determinada ordem. Primeiro deve-se cantar convocando o Espírito Santo, para abençoar e ajudar os seus festeiros. Posteriormente, canta-se para São Pedro, pois é o senhor que “guarda a chave” da tribuna. Para Dona Jacy, uma tribuna bem aberta é sinal de uma festa abençoada, bonita e que traz muita sorte.

Dona Luzia, Caixeira Régia em cerca de 13 festas, gosta de realizar a abertura da tribuna sempre as 12h e todos devem vestir roupas brancas (império, caixeiras, dona da festa e festeiros). 

- Busca e levantamento do Mastro

O mastro é um dos elementos simbólicos mais importantes e sagrados do festejo, uma vez que a sua presença assinala que a casa se encontra em período de festa. Costuma-se preparar a partir de um tronco de árvore que varia entre 5 a 10 metros, podendo ser pintado ou enfeitado com folhas e frutos. Durante o trajeto para buscá-lo, foram comuns brincadeiras com conotações sexuais e solicitações de bebidas alcoólicas.

  

O levantamento do mastro é realizado no final do dia e determina a abertura oficial da festa, sendo ele próprio conhecido como um ritual, uma vez que exige perícia e coordenação de vários homens para o erguer, além de ser batizado com bebidas e ervas aromáticas. Acompanham essa etapa: Toques de caixa específicos (Nossa Senhora da Guia); fogo-de-artifício; bolos ou mingau; café ou bebidas e muita animação. A cerimónia estende-se pela noite com a Ladainha e cânticos de louvação.
  
- Visita dos Impérios

Entre o levantamento do mastro e o dia principal da festa (Domingo da missa), as caixeiras se reúnem na casa do Dono da festa e saem em cortejo com parte do império, bandeireiros, festeiros e convidados, para visitar o casal de imperadores (em alguns casos também os 2 mordomos-régios), para levar o Espírito Santo e proteção para as respetivas casas. Esta visita pode ser realizada em cada uma das casas ou pode-se reunir duas crianças no mesmo local para dinamizar e tornar acessível o transporte de todos os presentes. As crianças que recebem a visita, aguardam o cortejo em suas casas, juntamente com os seus familiares e convidados. É comum, no final da visita, a família oferecer um lanche com doces, salgadinhos e refrigerantes e no caso de duas famílias recebendo a mesma visita, um jantar. As caixeiras improvisam durante o trajeto, brincam, tocam na porta, cantam e dançam no interior da casa.

- Missa e Cerimônia dos Impérios

 É a etapa primordial da festa, que começa por volta das 08h ou 09h com uma missa encomendada pela dona de festa e só termina depois do toque da Alvorada e jantar do império.

Relativamente ao momento da missa, costuma-se acompanhar uma missa habitual e somente no final, as caixeiras cantam e tocam dentro da igreja, para agradecer a bênção do padre e pedir graça e proteção. Em seguida, a dona da festa organizar uma procissão até a casa do festejo, com músicos contratados, muitos foguetes e todo o seu império, vestindo o melhor traje. É um momento de grande beleza, que mostra todo o esmero dos festeiros e da dona da festa. Nas festas com mais recursos, é frequente servir um chocolate quente com bolos, frutas e biscoitos na chegada da missa. De qualquer forma, entre o cortejo e o almoço, as caixeiras tocam diante da tribuna e dificilmente param para descansar.

Depois do almoço, com a permissão da Caixeira Régia, império e caixeiras são dispensados para descansar e repousar antes da procissão com andor. Por volta das 16h, algumas casas realizam esta procissão nas proximidades da casa, regressando ao pé do Mastro por volta das 18h, para iniciar o toque da Alvorada.

Depois da Alvorada, realiza-se o jantar do império e na sequência: caixeiras e convidados.


- Roubo do Império

Muitas casas já deixaram de praticar, mas em alguns terreiros e casas particulares os festeiros continuam a distribuir entre os seus vizinhos, parte dos objetos e roupas da festa, para resgatá-los posteriormente em cortejo.
Com versos improvisados, as caixeiras recebem do dono da casa não só o objeto roubado, mas também donativos para a festa: dinheiro, fogo-de-artifício, refrigerantes, vinhos, cachaça, velas e alimentos.


- Derrubamento do Mastro

É a etapa que marca o final do festejo e acontece logo após a chegada da procissão, portanto, é comum a presença de músicos contratados, que participaram da procissão. Porém, quando o buraco já se encontra bem fundo e o Mastro começa a balançar, inicia-se o mesmo toque do levantamento (Nossa Senhora da Guia), ao mesmo tempo que os homens da festa vão descendo o mastro lentamente, com a ajuda de cordas, escadas e troncos de madeira amarrados como se fosse uma tesoura.


- Repasse das Posses Reais

É uma das etapas mais demoradas, que costuma se estende por mais de duas horas e começa com as caixeiras tocando e se despedindo do Divino. Em seguida, apenas a caixeira-régia canta, acompanhada pelo toque e coro das caixeiras, retirando as insígnias reais das crianças que estão deixando seu posto e transferindo para as crianças que ocuparão o cargo no próximo ano. Este momento é sempre de muita emoção e lágrimas.

- Fechamento da Tribuna

Encerra a parte solene da festa, cantando o Bendito de Hortelã, para amontoar as caixas, enrolar e recolher as bandeiras e acomodar a Santa Crôa e a pomba do Divino no altar. Logo depois, quando as caixas já estão no chão e a música, que tem cerca de 20 minutos, termina, ocorre o corte do bolo e a distribuição dos doces e lembranças da festa para todas as pessoas presentes. (costumam priorizar as caixeiras e os convidados dos império)

- Carimbó de Caixeiras

É uma etapa que não faz parte das obrigações religiosas e não consta no “convite” da festa. Acontece naturalmente, durante a partilha de alimentos que sobraram da festa. Em agradecimento, os festeiros costumam oferecer bebidas e comidas para as caixeiras e todas as pessoas que ajudaram e trabalharam durante o período da festa.

Ferretti, Sérgio, 1999. Festa do Divino no Tambor de Mina: estudo de ritos e símbolos na religião e na cultura popular. Disponível em: 




Sem comentários:

Enviar um comentário